(DES)Envolvimento Emocional
“Tem tanta coisa que poderia ser dita” penso eu enquanto cutuco alguns cravos e espinhas no meu rosto vermelho das agressões contra o maior órgão do meu corpo, a pele. Esse é um estado relativamente normal de me encontrar, embora eu sinta vergonha de admitir, quando estou com a cabeça a mil, imersa em pensamentos, teorias, lampejos do futuro e memórias do passado que se condensam, se misturam e me jogam para qualquer lugar que não o aqui e agora.
Olho para o rosto no espelho com algumas marcas de unha e lembro de que estou aqui. 27 anos, em Santa Maria, no processo de pré lançamento do meu livro de poemas. Esse processo tem movido tanta coisa aqui dentro.. que, nossa! Acho que cabe uma retrospectiva.
A mini Bruna
Nasci em uma família de classe média sem grandes problemas estruturais ou financeiros. Pai e mãe trabalhavam fora. Eu era cuidada pela minha avó de coração a qual eu carinhosamente chamava de “Mãe Ia”. No meu núcleo familiar tinha amor, atenção, cuidado, zelo, proteção. E também tinha castigo, autoritarismo, desconexão com os sentimentos, dependências e jogos emocionais.
Eu, uma criança sensível, empática e inteligente cresci aprendendo a agradar e ser boa em tudo. Precisava tirar nota boa, ser educada, responsável, obediente, esforçada, bonita, não incomodar, não pedir coisas, não gritar e não causar transtorno. E, de quebra, pedir a bênção, sorrir e acenar.
A BRUNA ADULTA
Não lembro bem se o ano era 2012 mas lembro que tinha passado há pouco pelo vestibular e estava em um relacionamento amoroso que me sufocava, eis que minha mandíbula travou. Meu corpo estava pedindo socorro. Fazendo fisioterapia para recuperar o movimento normal da mandíbula, ouvi a profissional falar que poderia ser derivado do stress ou da raiva reprimida. Logicamente associei ao vestibular porque, com 18 anos de idade, ainda achava que fosse incapaz de sentir raiva.
Foram anos de desconexão com as emoções.. cheguei ao ponto de dizer no consultório da terapeuta “acho que tem algo errado comigo, não sinto raiva”. Ela riu. E eu senti raiva. Então entendi que a raiva existia dentro de mim sim, eu é que não dava vazão, não permitia que esse e outros sentimentos me afetassem. Aprendi desde cedo a fazer jogos emocionais ao invés de expressar o que estava sentindo. O famoso “engole o choro” teve grande impacto nessa situação.
O COMEÇO DA RECONEXÃO EMOCIONAL
O ano era 2016 e uma amiga da qual me aproximei na faculdade pela energia leve e alma contagiante, me falou de um grupo de dança. Eu que havia dançado muito no ensino fundamental estava distante disso há um tempo. “É uma proposta diferente ela disse. Empoderamento feminino”. Aquelas palavras tocaram algum lugar dentro de mim. E, mesmo desconectada das minhas emoções, pensei “por que não?”.
Fui. Lembro que vi mulheres de diferentes idades e sem muita habilidade de dança, assim como eu. Ufa! Talvez dê certo. Tímida, rígida, insegura, crítica e autodepreciativa, fui dando um passo de cada vez e buscando observar como eu me sentia naquilo. Lembro que escrevemos uma carta para nós mesmas. Eu nunca tinha feito aquilo. Ali na carta, confessei que eu estava passando por um momento difícil em que me encontrava muito distante de mim mesma, em que já não sabia mais quem eu realmente era. Mas que eu estava ali disposta a descobrir.
O EQUILÍBRIO NA DANÇA
Anos se passaram e nem mesmo minha amiga que havia me apresentado continuou na dança, mas eu sim. Conheci mulheres incríveis ali. Cada uma me inspirava de um jeito diferente. Passei a ver as mulheres à minha volta não mais como rivais, como havia aprendido desde cedo pela sociedade machista na qual estamos inseridas, mas como irmãs.
Bem aos poucos o olhar crítico que eu atribuía a mim e às outras pessoas foi suavizando. Não se tratava de “certo” ou “errado”, o que era louco para mim pois aprendi a categorizar tudo. Se tratava de experienciar o movimento no corpo e permitir que ele só… fosse. “Só”. Por que aquilo parecia tão distante de mim? A rigidez e a inflexibilidade resistiram até ceder espaço para uma nova forma de mover. Mais leve, mais solta, mais eu.
O tempo foi passando e fui conseguindo entrar em contato com as minhas emoções reprimidas. Esse contato me permitiu me entregar aos processos. Sentir a dança. Sentir os movimentos. Deixar o corpo fazer poesia. Deixar as emoções escorrerem no movimento dançado.
A dança me colocou diante de uma versão de mim mesma que até então era desconhecida. Acho que eu estava gestando a mim mesma naquele momento. Me desconectei da relação amorosa tóxica mas continuava carregando a toxicidade dentro de mim. Como lidar? Dança, terapia.. várias coisas sendo movidas mas era preciso algo mais. Então comecei a escrever.
A ESCRITA COM EFEITO CURA(DOR)
Comecei a escrever porque ouvi dizer que ajudava a lidar com as emoções. E a partir da escrita fui conseguindo transmutar aos poucos tudo aquilo que eu estava segurando. Todas aquelas emoções retidas na minha musculatura contraída.
O autoconhecimento adquirido através da escrita me permitiu entrar em contato com a raiva, com a tristeza, com a alegria, com o medo, com o nojo.. Me permitiu acessar minha natureza instintiva, selvagem. Me permitiu me descobrir de uma forma que eu nunca havia visto antes. Deixou cair véus de ilusão. Permitiu morrer projeções, expectativas, frustrações. Me ajudou a transmutar sentimentos até então nunca experienciados por mim.
Assim, acessei o poder do arquétipo da curandeira dentro de mim, aquela que vê o que precisa ser visto e não desvia o olhar, mas se utiliza das medicinas intrínsecas existentes em seu interior para curar suas feridas internas. Desse processo intenso e transformador germinou um livro de poesias escrito com toda a minha alma.
Eu, curandeira de mim é um livro de poemas sobre as fases de um processo simbólico de morte e renascimento que será lançado em breve no formato digital. Não vejo a hora de compartilhar mais um pedaço da minha vida criativa contigo.
Um beijo! <3
Bru
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